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domingo, 24 de outubro de 2010

FERNANDO PESSOA - MELANCOLIAS, SPLEEN, SONO, DEPRESSÃO?



FERNANDO
PESSOA

Poesias de
Álvaro de Campos



      Adiamento
    Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã... Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, E assim será possível; mas hoje não... Não, hoje nada; hoje não posso. A persistência confusa da minha subjetividade objetiva, O sono da minha vida real, intercalado, O cansaço antecipado e infinito, Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico... Esta espécie de alma... Só depois de amanhã... Hoje quero preparar-me, Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte... Ele é que é decisivo. Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos... Amanhã é o dia dos planos. Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo; Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã... Tenho vontade de chorar, Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro... Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo. Só depois de amanhã... Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana. Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância... Depois de amanhã serei outro, A minha vida triunfar-se-á, Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático Serão convocadas por um edital... Mas por um edital de amanhã... Hoje quero dormir, redigirei amanhã... Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância? Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã, Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo... Antes, não... Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser. Só depois de amanhã... Tenho sono como o frio de um cão vadio. Tenho muito sono. Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã... Sim, talvez só depois de amanhã... O porvir... Sim, o porvir...
      Álvaro de Campos



Álvaro de Campos
 
O Sono
 
    O sono que desce sobre mim,                            
    O sono mental que desce fisicamente sobre mim, 
    O sono universal que desce individualmente sobre mim — 
    Esse sono 
    Parecerá aos outros o sono de dormir, 
    O sono da vontade de dormir, 
    O sono de ser sono. 
    Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:  
    E o sono da soma de todas as desilusões,  
    É o sono da síntese de todas as desesperanças,  
    É o sono de haver mundo comigo lá dentro  
    Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso. 

    O sono que desce sobre mim 
    É contudo como todos os sonos. 
    O cansaço tem ao menos brandura, 
    O abatimento tem ao menos sossego, 
    A rendição é ao menos o fim do esforço, 
    O fim é ao menos o já não haver que esperar. 

    Há um som de abrir uma janela, 
    Viro indiferente a cabeça para a esquerda 
    Por sobre o ombro que a sente, 
    Olho pela janela entreaberta: 
    A rapariga do segundo andar de defronte 
    Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém. 
    De quem?, 
    Pergunta a minha indiferença. 
    E tudo isso é sono. 

    Meu Deus, tanto sono!  ...

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